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Turismo cresceu seis vezes em dez anos, mas “Sintra não perde o romantismo”

Turismo cresceu seis vezes em dez anos, mas “Sintra não perde o romantismo”

Portugal tornou-se um íman de turistas estrangeiros e Sintra, que inspirou gerações de poetas não foge à regra. As visitas aos seus palácios de mil uma noites crescem todos os anos e o número dos que vêm só em passeio também. O trânsito ressente-se, mas há soluções. Basílio Horta quer tirar os carros da Vila Velha

Depois há os casais – são muitos, e de todas as idades – em busca de um dia romântico nesta terra de mil e uma noites. Deambulam pelas ruas estreitas do centro histórico, espreitam as montras, sentam-se nas esplanadas a beber uma taça de vinho; aventuram-se na serra pelos caminhos pedestres até ao Castelo dos Mouros, ou percorrem, sorridentes, a curva larga da Volta do Duche, a pé, em carruagem puxada por cavalos, ou num tuk-tuk barulhento, isso sim, pouco romântico.

Marcos e Jane Vasconcelos estão sentados num dos bancos de pedra, de frente para a serra e o castelo, lá em cima. É a quarta vez que vêm a Sintra – “gostamos muito, às vezes trazemos os amigos, e já fomos três vezes ao Palácio da Pena”, conta Jane. De nacionalidade brasileira, dividem o ano entre cá e lá, por motivos familiares, e como vivem perto da estação de Sete Rios, facilmente cá chegam. “Costumamos vir de comboio, não vale a pena trazer carro, é muito difícil para estacionar”, reconhece Marcos.

 

Tirar o trânsito da Vila Velha

Pelas Festas – Natal e Ano Novo – Sintra fica assim, apinhada, tal como no pico do verão, ou na Páscoa, e cada vez mais, desde há dois ou três anos, durante quase todo o ano. Portugal, já se sabe, está na moda, e quem vem a Lisboa acaba por dar também um salto a Sintra – é quase obrigatório.

Ela aí está, a Vila Velha, cheia de turistas e de carros, submersa num trânsito por vezes exasperante, que lá vai em lento pára-arranca até à Quinta da Regaleira, ou por ali acima até ao Palácio da Pena, pela estrada que atravessa a vila, e através da qual tem de se fazer a circulação para o Castelo dos Mouros e para a Pena, para Convento dos Capuchos, a Regaleira, o palácio e jardins de Monserrate.

Em dias assim, e são cada vez mais numerosos ao longo do ano, parece que tudo deixa de fluir. Quem conduz os visitantes ao serviço das muitas empresas de animação turística que por aqui proliferaram nos últimos anos, e que oferecem circuitos mais ou menos completos consoante os gostos e os preços, sabe-o por experiência própria.

“Às vezes, um percurso que se faz em 10 minutos, chega a levar 40”, desabafa André, 29 anos, que sempre trabalhou em Sintra na área do turismo – “fui criado aqui”, conta -, e cuja atividade é há vários anos conduzir turistas no carro da empresa para a qual trabalha.

José Carlos Almeida, sócio fundador de uma outra empresa, que também propõe circuitos e aluga carros elétricos – “não poluem e são silenciosos”, sublinha, satisfeito – tem a mesma queixa. E outras que se encadeiam com esta: não gosta do barulho e da confusão, tantas vezes excessivos. Por isso defende, tal como outros que trabalham neste ramo, que o trânsito deveria ser proibido no coração da vila.

“Antigamente, Sintra tinha um turismo de elite, agora é um turismo de massas, e isso diz tudo”, nota. O tudo é “o trânsito entupido e a falta de qualidade de vida para as pessoas que cá moram”, esclarece. Na sua opinião, “há muito que o trânsito já devia ter sido cortado no centro histórico”.

André tem a mesma perspetiva. E Francisco, 23 anos, que é estudante e trabalha a tempo parcial na mesma empresa que André, “para pagar os estudos”, também conduz turistas e concorda: “É preciso cortar o trânsito na vila.”

Numa das lojas do centro histórico, ali mesmo encostada à movimentada rua que o atravessa de uma ponta à outra, Carla segue diariamente aquele movimento contínuo de veículos: autocarros, automóveis, tuk-tuks, jipes, carrinhas, motos…e gente, muita gente em vaivém constante. Trabalha ali há oito anos e tem observado como a afluência dos visitantes e o trânsito se intensificaram nos últimos dois, três anos. Mas, diz, isso “não se refletiu” no negócio. Pelo menos naquele em que trabalha – acredita que para cafés, restaurantes e hotéis seja muito diferente.

“Dantes vendíamos toalhas da Madeira, e [tapetes de] Arraiolos, mas agora há as imitações que vêm da China, os turistas já não compram”, diz. Por outro lado, “as pessoas vêm por três ou quatro dias, não andam com muita bagagem e não levam artigos volumosos ou de maior peso”. Talvez por isso, o que tem estado a sair mais na loja “são mesmo os galos de Barcelos”. E se “vêm de carro, então não param, porque não há onde estacionar: passam e não compram nada”. Por isso, conclui Carla, “tirar daqui o trânsito seria bom, pelo menos dava tranquilidade à vila”.

Basílio Horta, presidente da Câmara Municipal de Sintra, tem justamente como um dos objetivos para este ano a retirada do trânsito do centro histórico. A ideia, como explicou ao DN (ver entrevista na última página desta reportagem), é fazer um trabalho integrado na área da mobilidade para toda aquela zona, que passará pela “criação de mais lugares de estacionamento periurbano”, nomeadamente na zona do Ramalhão, por um novo serviço de transporte em navetes elétricas para assegurar a ligação entre as zonas de estacionamento e o centro histórico, de onde deverá sair, então, o trânsito ainda este ano. “Só haverá circulação de carros para lá, para transporte de pessoas para os hotéis”, afirma Basílio Horta.

 

Visitantes aumentam 20% ao ano

Portugal tornou-se uma espécie de íman para turistas, e Sintra, com a sua velha aura de magia e de romantismo, é um dos destinos preferenciais no país. Mas, mesmo assim, os números impressionam: os cálculos apontam para que cerca de cinco milhões de pessoas visitaram Sintra em 2016. E, como nos últimos anos, os visitantes têm aumentado sempre à razão de 20% ao ano, esse número deverá ter rondado os seis milhões em 2017.

Os dados concretos disponíveis são os das entradas nos palácios e monumentos da Parques de Sintra, que tem a seu cargo a gestão do Palácio da Pena – o campeão absoluto, com 1,3 milhões de visitas em 2016 -; Castelo dos Mouros, sobranceiro à Vila Velha; Chalet da Condessa d”Edla, junto à Pena; Palácio Nacional de Sintra, no centro histórico; Palácio Nacional de Queluz; Parque e Palácio de Monserrate, e o Convento dos Capuchos, este já a caminho da ponta mais a oeste da serra. Ao todo, em 2016, a Parques de Sintra vendeu mais de 2,6 milhões de entradas para o conjunto dos seus parques e monumentos. Em 2017, as visitam cresceram uma vez mais e atingiram 3,2 milhões.

Das 500 mil entradas vendidas em 2007, aos 3,2 milhões no ano que findou (o número três milhões foi atingido ainda em novembro), o crescimento na última década foi em flecha, com seis vezes mais entradas nos parques e monumentos de Sintra em 2017, em relação há 10 anos. Mas claro que os visitantes na Vila Velha, que por lá passaram apenas em passeio, para almoçar ou beber um café e comer uma queijada, ou para fazer os trilhos pedestres, sem nenhuma visita aos palácios, foram muitos mais: é o tal cálculo dos seis milhões de pessoas no ano passado.

O peso do número de visitantes estrangeiros (82,19%) em relação aos portugueses (17,81%) nos parques e monumentos da Parques de Sintra também ilustra bem – e confirma – a dimensão do crescimento turístico em Portugal nos últimos anos.

 

Parques de Sintra investe 52 milhões

“Quem visita Lisboa durante mais do que dois dias, também vem a Sintra, e é sobretudo o Palácio da Pena que vem procurar”, afirma o presidente do Conselho de Administração da Parques de Sintra, Manuel Baptista. “Dos 3,2 milhões de pessoas que visitaram os nossos parques e monumentos [em 2017], cerca de milhão e meio foi à Pena”.

Para o responsável, isso fica a dever-se também ao trabalho de recuperação dos parques e palácios. “Acreditamos que património recuperado é património visitado, e essa recuperação inclui, não apenas a do próprio monumento, mas também a abertura de cafetarias, a disponibilização de casas de banho, de lojas, de internet, etc.”. Dá um exemplo: “Há 10 anos, não havia visitas ao Palácio de Monserrate, nem ao Chalé da Condessa”. O primeiro estava fechado, o segundo em ruínas. Agora, os dois são responsáveis, respetivamente, por 121 mil e mais de 18 mil visitas anuais.

É nesta filosofia com provas dadas, da recuperação dos monumentos e dos seus espaços envolventes, que a Parques de Sintra aposta – e vai continuar a apostar -, usando as suas próprias receitas. “As obras nos nossos monumentos nunca estarão terminadas, é um esforço contínuo para melhorar as condições que oferecemos às pessoas, incluindo a pessoas de mobilidade reduzida”, sublinha o responsável.

Veja-se 2017. “Fechámos o ano com cerca de 30 milhões de receita anual, e investimos mais de 10 milhões”, concretiza, destacando “o programa ambicioso” já delineado para os próximos três anos. “Vamos investir mais de 52 milhões de euros até 2020, contando exclusivamente com as nossas receitas”.

Para 2018, a estimativa de investimento total é de 20 milhões de euros, dos quais 2,4 milhões vão para o Palácio da Pena – mais 2,3 milhões no próximo ano, e mais 600 mil em 2020 – para obras várias: “recuperação das salas, saneamento, instalações elétricas, reparações no tecto, um pouco de tudo”, sublinha Manuel Baptista. Mas já este ano a Parques de Sintra vai passar a gerir também outros dois locais, onde prevê fazer intervenções profundas até 2020: a zona adjacente ao farol do Cabo da Roca e a ermida da Peninha.

“Fizemos um protocolo com a Marinha para que a zona adjacente ao farol do Cabo da Roca, as antigas casas dos faroleiros e próprio museu do farol sejam objeto da gestão da Parques de Sintra”, explica o seu presidente . “Vamos criar uma loja e cafetaria, fazer visitas guiadas ao farol diariamente, em vários horários, e no final de 2018 já teremos ali muitos espaços abertos”. São 600 mil euros de investimento já este ano, e uma verba igual no próximo, para o projeto. Afinal, o Cabo da Roca é um dos locais mais visitados da área metropolitana de Lisboa, e a ideia é dar-lhe “uma cara nova”.

Quanto à Peninha, está previsto um investimento total de 1,3 milhões de euros nestes três anos. “Vamos começar pelos acessos, que praticamente não existem, pelo estacionamento, e vamos recuperar os espaços, como a capela medieval de São Saturnino”.

 

Vendas “à marroquino”

A partir das nove ou 10 da manhã, a estação de Sintra e o passeio fronteiro, rua fora, transformam-se numa espécie de feira. Os turistas vêm em ondas, ao ritmo da chegada dos comboios, desembarcam expectantes, de nariz no ar e mapa na mão, e a primeira coisa que veem é uma desordenada comissão de receção que lhes oferece, exibindo cartazes com os preços à vista, uma variedade de visitas guiadas e “voltas saloias”, em automóvel, jipes ou tuk-tuks. Estes são os chamados angariadores – “em geral estamos aqui 30, 40”, estima um deles -, na maioria jovens e a trabalhar à comissão para as empresas de animação turística que aqui operam. Não é que eles próprios gostem muito daquele espetáculo “um bocado à marroquino”, como lhe chama Francisco, um dos angariadores . “Devíamos ter um espaço próprio para estar, um welcome center, e chegou-se a falar disso com a câmara, mas até agora não aconteceu nada”, recorda.

A questão, no entanto, não está esquecida. A câmara municipal conta concluir esse espaço “no final deste primeiro semestre”, como adiantou ao DN um porta-voz da edilidade.

Francisco, André e Julia, outra jovem angariadora, preferem, também por isso, “não fazer uma venda agressiva”, como lhe chamam. Esperam que os turistas se lhes dirijam. E a verdade é que muitos o fazem. Olham primeiro para os cartazes e fazem perguntas: onde vamos? E o almoço? Quantos cabemos? E por aí fora. Negócio acertado, e lá vão, à Vila e aos travesseiros, à Pena, à Regaleira e a Monserrate, ou às praias e ao Cabo da Roca, consoante a volta escolhida. “Mais de 90% dos turistas dizem-nos que fomos importantes para a sua visita, porque lhes demos informações sobre os palácios e a história dos sítios”, garante André, a quem a empresa para a qual trabalha “deu uma formação básica” para aquele trabalho.

Tal como Nuno Sousa, 21 anos, que começou a trabalhar em Outubro para uma das empresas que oferecem circuitos guiados. Nuno conduz os turistas numa 4L, ganha à comissão e já lhe aconteceu, nestes três meses, ter “um ou dois dias frustrantes, sem clientes”, mas no geral não se queixa, e também não gosta das vendas agressivas. “Conforme as circunstâncias, vou ou não ter com as pessoas, não quero chatear”, diz.

Para ele, que nasceu e vive em Sintra, esta “foi uma oportunidade de trabalho” que tem um sabor especial. “Mostro a minha terra, conto a sua história, e conheço os sítios, os caminhos, os melhores restaurantes e esplanadas”, conta, com um sorriso.

A relação com os clientes agrada-lhe. Com experiência na área da restauração, Nuno decidiu interromper os estudos universitários por um tempo – estava a tirar gestão hoteleira – para pôr as mãos na massa. “Achei que precisava de trabalhar, de aprender a gerir o meu dinheiro, e esta foi uma oportunidade de crescer enquanto ser humano, e de praticar outras línguas”. E tem compensado, garante. Só o trânsito, às vezes – o trânsito, de novo -, não lhe agrada tanto, quando são muitos os carros naquelas curvas apertadas, a subir, e com piso escorregadio naqueles dias de nevoeiro tão sintrense.

 

Se Lorde Byron cá viesse agora…

Percorrem-se as ruas estreitas da Vila Velha e quase não se ouve falar português. Ao pé dos milhares de pessoas que diariamente visitam esta terra cheia de histórias e de encantamento, os seus 444 residentes (censos do INE, de 2011) são uma minoria absoluta.

Basílio Horta admite que isso é um problema e está a tentar minorá-lo, com um programa para a habitação jovem local. “O meu objetivo é atrair jovens residentes para o centro histórico”, explica, sublinhando a necessidade de compatibilizar o turismo e a vida do dia-a-dia: “É importante que estes fluxos turísticos convivam bem com as pessoas que aqui vivem e trabalham”.

Maria Salete Ferreira, 77 anos, “nascida e criada na Rua das Padarias”, confessa que se ressente sobretudo do barulho dos bares, à noite. “Ninguém dorme, e os turistas que aqui alugam alojamento também não. O turismo é bom, mas é preciso olhar para isto, senão qualquer dia Sintra é uma vila fantasma”, diz.

Se Lorde Byron, o poeta inglês que exaltou Sintra como um Éden na Terra, chegasse hoje, veria o mesmo lugar romântico? Basílio Horta acredita que sim, e Manuel Baptista concorda. “O mundo mudou em relação ao tempo de Byron, o conceito de romantismo atualizou-se”, defendem. E depois é tudo “uma questão de organização”, como se ouve na voz da rua. Os turistas, esses, não têm qualquer dúvida. Como Mariela e Maurício, ela peruana a viver em Barcelona, ele americano, da Califórnia. Encontramo-los ao fim da tarde no Palácio da Pena. É o momento mágico em que o Sol se põe ao longe, sobre o mar, derramando aquelas cores quentes sobre tudo em redor. “Romântico? Claro que sim!”

Fonte: DN

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